O Instituto do Radium, primeiro centro destinado à luta contra o câncer no Brasil, foi inaugurado no dia 7/9/1922, em Belo Horizonte, ocupando área doada pela Prefeitura nos fundos do Parque Municipal e limitando-se com os terrenos da Faculdade de Medicina. Para sua criação, foi fundamental a participação do Prof. Eduardo Borges da Costa, então diretor da Faculdade de Medicina, que conseguiu sensibilizar as autoridades constituídas, obtendo dessas o imprescindível apoio para a execução do projeto. Segundo Pedro Salles, 1 o Instituto "custou ao Estado Cr $ 550.000, fora o preço de 25 centrigramas de radium adquiridos nas usinas da Societé Française d'Energie et Radio-chimic de Courbevoie, por Frs. 276.459". Do conjunto ao detalhe, o Instituto do Radium confirma o propalado senso estético de Borges da Costa - um belo estilo arquitetônico, com a fachada ornada de colunas gregas, e uma instalação primorosa. O Instituto foi concebido como fundação autônoma e tinha por objetivo o estudo do radium e dos Raios X; o estudo, pesquisas científicas e o tratamento do câncer, moléstias afins e afecções pré-cancerosas. O serviço de Roentgenterapia foi confiado ao Dr. Jacyntho Campos e o de Curieterapia foi confiado ao Dr. Mário Penna (por Curieterapia entendia-se a irradiação dos tumores por meio de agulhas de platina carregadas de radium). Segundo Guilherme Halfeld, 2 em 1923 (ano seguinte ao da inauguração do Instituto), Eduardo Borges da Costa participou da delegação brasileira enviada à França para as comemorações do centenário de nascimento de Pasteur, ao lado de Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, Eduardo Rabelo, Gustavo Riedel e Eurico Villela, acompanhados das respectivas esposas. Na grande exposição comemorativa, além das contribuições científicas levadas de Manguinhos, figurou uma maquette do recém-inaugurado Instituto do Radium, acompanhada de fotografias e dados esclarecedores sobre seu funcionamento e suas finalidades. Aproveitando a viagem, Borges da Costa permaneceu por algum tempo em Estrasburgo, especializando-se com o grande cirurgião Sancert, e, em Paris, com Nageotte; posteriormente, em Copenhague, fez curso de anatomia patológica dos tumores com o Prof. Fieberger. A partir de 1950, o Instituto do Radium passou a chamar-se Instituto Borges da Costa, em homenagem a seu fundador e primeiro diretor, falecido no dia 5 de setembro daquele ano. Há cerca de uma década, boa parte de suas instalações foi ilegalmente ocupada por alunos da UFMG e o Instituto transformado em "moradia estudantil"; mesmo assim, ainda funciona ali um ambulatório de cirurgia. O Instituto Borges da Costa representa, hoje, a última relíquia arquitetônica do Campus da Saúde, que passou por inúmeras transformações desde a fundação da Faculdade em 1911; por conseguinte, sua demolição (ou mesmo a mudança de sua fachada) seria algo inaceitável por parte de quantos sabem de seu inestimável valor histórico.
Conforme se comentou acima, um momento marcante para a história do Instituto foi representado pela visita de Marie Curie e sua filha Irène, em agosto de 1926; mãe e filha aqui chegaram após uma viagem de trem, procedentes do Rio de Janeiro, e, no dia 17, foram conhecer o Instituto, deixando as respectivas assinaturas no livro de registro de visitas. No dia 18, na Faculdade de Medicina, Marie Curie pronunciou uma conferência sobre a radioatividade e suas aplicações na Medicina.
Marie Curie (l867-1934), nascida Marya Sklodowska, de origem polonesa, já era viúva quando de sua visita a Belo Horizonte (pois o marido Pierre Curie falecera em 1906, vítima de um atropelamento) e, por essa ocasião, já recebera por duas vezes o Prêmio Nobel em reconhecimento a seus estudos sobre a radioatividade. Assim, em 1903, junto com o marido Pierre e com A.H.Becquerel, Marie Curie recebeu o Nobel de Física. Becquerel descobriu, em 1896, a propriedade de certos minerais de urânio de emitirem raios semelhantes aos Raios X, descobertos por Roentgen no ano anterior; Marie e Pierre Curie descobriram a radioatividade do tório, isolaram, em 1898, o polônio (um novo elemento radioativo, 400 vezes mais poderoso que o urânio) e descobriram, ainda em 1898, o radium, elemento ainda mais ativo que o polônio. Em 1911, Marie Curie foi distinguida com o Nobel de Química por suas investigações sobre as propriedades do radium e as características de seus compostos.
A filha de Marie e Pierre, de nome lrène (l897-1956), foi assistente da própria mãe no Institute Radium de Paris e ali conheceu o físico Jean Frédéric Joliot, com quem se casou em 1926. Após defender tese sobre os raios alfa do polônio, lrène formou-se, em 1925, pela Faculdade de Ciências de Paris; em 1936 foi nomeada subsecretária de Estado para pesquisas científicas; a partir de 1937, lecionou na Sorbonne e, em 1946, tornou-se diretora do Institute Radium. Foi membro da Comissão de Energia Atômica, do Comitê Nacional de União de Mulheres Francesas e do Conselho Mundial de Paz.
Jean Frédéric Joliot-Curie (l900-l958) também foi assistente de Marie Curie e, curiosamente, adotou seu sobrenome após desposar, em 1926, sua filha lrène. Formou-se em ciências, em 1930, com tese sobre a eletroquímica do polônio. Em 1935, recebeu, juntamente com a esposa, o Prêmio Nobel de Química. A descoberta que lhes valeu tal distinção surgiu da seguinte experiência: bombardeando boro, alumínio e magnésio com raios alfa, obtiveram isótopos radioativos de elementos normalmente não radioativos, ou seja, nitrogênio, fósforo e alumínio. Foi revelada, assim, a possibilidade de se empregarem elementos radioativos produzidos artificialmente para acompanhar mudanças químicas e processos fisiológicos. Jean Frédéric Joliot-Curie e lrène participaram também da construção da primeira pilha atômica francesa. Do exposto, resulta claro um fato inédito, ou seja, cinco ganhadores do Prêmio Nobel numa mesma família: Pierre, em 1903; Marie, em 1903 e, depois, em 1911; lrène em 1935 e Jean Frédéric (que entrou para a família em 1926), também em 1935. Esse fato dá a exata dimensão da importância da visita que Marie Curie e sua filha fizeram ao Instituto do Radium em 1926 - ocasião em que foram fotografadas ao lado de Carlos Pinheiro Chagas, um dos antecessores de Bogliolo à frente da Cátedra de Anatomia Patológica.
Notas:
1- Salles, P.: Contribuição para a história da Medicina de Belo Horizonte. Revista da AMMG 17:54, 1996. O autor, Pedro Drummond de Salles e Silva, misto de médico e historiador, formou-se em Medicina pela UMG em 1927. Foram seus colegas de turma Flávio Marques Lisboa (pioneiro, junto com José Ferola, da Radiologia em Minas Gerais), Pedro Nava (médico reumatologista e memorialista) e Juscelino Kubitschek de Oliveira (Prefeito de Belo Horizonte, Governador de Minas Gerais e Presidente da República). É também de sua autoria o livro História da Medicina do Brasil (Belo Horizonte, Editora G. Holman Ltda., 1971), com prefácio de Pedro Nava. Aliás é justamente nesse prefácio que o memorialista cita uma frase de Littré capaz de estimular o historiador da Medicina: "Il n'est rien dans la plus avancée des médecines modernes dont on ne puisse trouver l'embryon dans la médecine du passé".
2- Halfeld, G.: Um pouco da vida de Borges da Costa. Revista da AMMG 22:169, 1971.
Fonte: Vida e Obra de Luigi Bogliolo