Fonte: Folha de S. Paulo 
Com o A.C. Camargo, a Cardinal vai montar aparelho que produz radiofármacos para exames e tratamentos 
Grupo chega quando o Congresso discute a quebra do monopólio estatal do insumo, que gira US$ 6 bi nos EUA 
Claúdia Collucci 
de São Paulo 
Líder mundial em produtos de saúde, com receita anual de US$ 103 bilhões, a norte-americana Cardinal Health abrirá unidade no Brasil, a primeira na América do Sul. 
Na próxima terça, a empresa assina parceria com o Hospital do Câncer A.C. Camargo, de São Paulo, referência em atendimento, ensino e pesquisa oncológica. 
O investimento inicial será de R$ 10 milhões e envolve a montagem de um ciclotron, aparelho que produz radiofármacos, usados principalmente em exames de imagem (como tomografias) e tratamentos (radioterapia). 
Segundo Irlau Machado, CEO do A.C. Camargo, além de insumos, a parceria com a Cardinal permitirá a abertura de linhas de pesquisas de novos marcadores para o diagnóstico e terapia de várias doenças, como o câncer. 
"É uma tecnologia muito promissora, e a proximidade com a fábrica nos trará mais ideias e possibilidades de inovação", diz ele. 
John Rademacher, presidente mundial da divisão de medicina nuclear da Cardinal, disse à Folha que só detalhará na próxima terça-feira os projetos que pretende desenvolver no Brasil. 
A Cardinal chega ao país em um momento estratégico. O Congresso estuda a quebra total do monopólio estatal da produção e venda de radiofármacos. Nos EUA, o mercado movimenta cerca US$ 6 bilhões por ano. 
Parte desse material (radiofármacos de meia-vida curta) já tinha sido liberada para a iniciativa privada em 2006, quando a emenda nº 49 alterou o texto constitucional que garantia o monopólio da União. 
Mas o filão desse mercado são os radiofármacos de meia-vida maior, como o tecnésio-99, usado em cerca de 90% dos exames de medicina nuclear no país (cintilografias, por exemplo). 
Importação 
Hoje o Brasil importa esse material do Canadá, maior produtor mundial. Semanalmente, a matéria-prima do tecnésio (molibdênio-99) chega ao Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), que fraciona o material e o distribui para os serviços de saúde. 
Em 2010, o país sofreu uma crise no abastecimento porque o reator canadense --responsável por 40% da produção mundial do molibdênio-99 e por toda a demanda brasileira-- parou de operar por problemas técnicos. 
Para Jair Mengatti, diretor de radiofarmácia do Ipen, se houver quebra total do monopólio de radiofármacos, a estatal CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) não terá como competir. "Especialmente se mantida a estrutura atual, sem a agilidade gerencial e financeira que grandes multinacionais, como a Cardinal, têm." 
Segundo Irlau Machado, inicialmente o foco da Cardinal no A.C. Camargo será na produção de radiofármacos de meia-vida curta (FDG), usado em um sofisticado exame de imagem, chamado PET-CT, capaz de identificar o câncer em estágio inicial e mostrar em tempo real como o corpo reage ao tratamento. 
O A.C. Camargo é a instituição que mais realiza o exame no país --35 por dia, em média-- e gasta R$ 5 milhões anualmente na compra desses insumos. O Ipen é o principal fornecedor. 
O Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) também tem um ciclotron que produz esse radiofármaco e abastece, além do instituto, outras unidades do complexo do Hospital das Clínicas que realizam o PET-CT.
Grupo espera crescimento dos exames no país 
De São Paulo 
A produção mundial de radiofármacos cresceu muito desde a década de 90 em razão de pesquisas voltadas para a aplicação das técnicas de medicina nuclear nos diagnósticos e terapias em diversas áreas, como cardiologia, oncologia e neurologia. 
A combinação de marcadores produzidos pela indústria de radiofármacos e novos equipamentos de imagem permitiu uma qualidade de diagnóstico sem precedentes. 
Atualmente, o Ipen/CNEN é responsável por 95% da demanda nacional de radiofármacos. No primeiro semestre deste ano, faturou R$ 38 milhões com a distribuição do produto para clínicas e hospitais públicos e privados. 
Segundo Jair Mengatti, diretor da radiofarmácia do Ipen, a produção atual atende a demanda. Por isso, afirma que a vinda da Cardinal aposta no crescimento do mercado. 
A Cardinal opera atualmente 150 radiofarmácias e é proprietária de 37 ciclotrons. O principal radiofármaco produzido pela empresa é para o PET-CT. 
No Brasil, esse exame não é coberto pelo SUS. 
Os planos de saúde também só o reembolsam para três indicações (linfoma, câncer de pulmão e câncer colorretal). A expectativa é que, aos poucos, mais indicações sejam incorporadas no setor público e privado. 
Carlos Buschpiguel, da USP, considera "fantástica" a entrada da Cardinal no Brasil: "É uma empresa de destaque no cenário internacional, que tem interface com universidades e companhias farmacêuticas americanas. Vai trazer tecnologia e expertise para a comunidade médica". 
Brasil tem projeto para reator nacional, mas faltam recursos 
De São Paulo 
O Brasil tem pronto um projeto para construir um reator nacional, que tornaria o país autossuficiente na produção de vários tipos de radiofármacos, especialmente o molibdênio-99, que hoje é importado do Canadá. 
Além de produzir radiofármacos para diagnóstico e radioterapia, o RMB também seria usado em testes de irradiação de materiais e combustíveis e em pesquisas com feixes de nêutrons. 
O problema é a falta de recursos. 
Para ser construído, o reator demandaria investimentos da ordem de US$ 500 milhões e demoraria entre seis e sete anos para ficar pronto. E ainda não há previsão orçamentária para isso. 
O lobby para sua viabilização é forte e, se o projeto sair do papel, provavelmente o empreendimento ficará no Estado do Rio de Janeiro, onde já existe a maior parte dos investimentos na área nuclear nacional. 
Antônio Gaudério - 30.jun.03 
Paciente faz exame PET-CT, que identifica câncer em fase inicial, no Hospital Sírio Libanês
Link original: https://www.ipen.br/sitio/?idc=10017


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