Projeto permitirá agregar pesquisadores de diversas áreas e criar um pólo estratégico de geração de conhecimento
Eu acompanho de perto o desenvolvimento da medicina nuclear desde a década de 1960, quando implantamos, no então Insituto de Cardiologia do Estado de São Paulo, hoje Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, o setor de medicina nuclear para avaliar situações de isquemia do miocárdio. Naquela época, meu interesse por essa área estava ligado à necessidade de distinguir áreas de fibras de áreas isquêmicas passíveis de recuperação funcional por revascularizaão do miocárdio.
A medicina nuclear vem dando uma enorme contribuição para a saúde da população brasileira, Entre os benefícios que oferece está o de auxiliar o clínico e/ou cirurgião na detecção de doenças, através do emprego de radioisótopos (eleentos que emitem pequena quantidade de radiação), como também permite, em condições especiais, tratar algumas enfermidades utilizando esses mesmos agentes, porém em quantidades de radiação superiores e suficientes para destruir o tecido doente. Em cardiologia, por exemplo, o emprego de exames funcionais que avaliam como o músculo cardíaco está sendo perfundido, em condição de estresse, comparativamente ao fluxo em condição de repouso, possibilita detectar o significado de disfunção do ventrículo esquerdo, selecionando pacientes tratáveis por revascularização daqueles cujo recurso terapêutico é o transplante cardíaco. Há muita evidência na literatura especializada que sustenta a indicação deste tipo de exame, inclusive, para a população de risco intermediário para doença coronária. Mas o potencial da medicina nuclear é muito mais amplo. Além da cardiologia, existem inúmeras outras múltiplas indicações para sua aplicação, com destaque para a oncologia.
No segundo semestre do ano passado e no início deste ano, a área de saúde enfrentou uma grande crise, devido à interrupção do fornecimento dos geradores de molibdênio, que possibilitam a eluição de tecnécio-99m, o isótopo mais utilizado em medicina nuclear. Essa crise, a meu ver, é resultante de um processo de acomodação e, ao mesmo tempo, da falta de uma política pública ou privada, conforme o país, na busca de autonomia na produção de radioisótopos para aplicação médica.
Como os custos de implantação de reatores para a produção de radioisótopos são altos, e como havia a disponibilidade de um grande reator com esta natureza no Canadá, que permitia o fornecimento regular do molibdênio-99 nas últimas décadas, vários países, incluindo o Brasil e Estados Unidos, não se preocuparam em investir nestes reatores, desviando recursos para áreas consideradas mais prioritárias. Contudo, a vida média destes equipamentos é limitada, e isso acabou não sendo considerado no planejamento nuclear dos países, que atualmente sofreram e estão arriscados a enfrentar de novo uma crise de fornecimento deste radioisótopo.
Mas é exatamente nos momentos de crise que se buscam alternativas ou que se iniciam discussões para tentar viabilizar modificações nas políticas nucleares de cada país, no sentido de investir em reatores de pesquisa e multipropósito.
A implantação de um reator multipropósito, recentemente anunciada, pode alavancar pesquisas em outras áreas da medicina que possuem alguma relação com o emprego da radiação, como é o caso da radioterapia, oncologia e mesmo a cardiologia. A iniciativa, contudo, não irá beneficiar apenas a classe médica e os pacientes, embora sejam estes, na realidade, o objetivo final deste tipo de investimento. Como o próprio nome diz, um reator multipropósito tem inúmeras aplicações, como a engenharia de alimantação, a energia, a indústria e a medicina. Sua implantação permitirá agregar pesquisadores de diversas áreas, possibilitando a criação de um pólo de geração de conhecimento, que poderá ser, em curto prazo, extremamente estratégico para o país, conforme o modelo de desenvolvimento que for escolhido para ser implantado.
Adib Jatene
É cirurgião, professor e cientista. Entre suas importantes contribuições à medicina, destacam-se a criação do primeiro coração-pulmão artificial do Hospital das Clínicas e de uma técnica cirúrgica, que leva o seu nome, para o tratamento de cardiopatias. Foi ministro da Saúde por duas vezes e hoje dirige o Hospital do Coração (HCor), de São Paulo.
FONTE: Brasil Nuclear
Informativo da Associação Brasileira de Energia NuclearAno 15 - Número 36 - 2010
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