15/03/2011 17h29 - Atualizado em 15/03/2011 17h59
Risco nuclear no Japão faz ex-soldado que vive em SP relembrar tragédia. 'A radiação tem poderes que ninguém nunca mais pode conter', afirma.
Para o comerciante Takashi Morita, as imagens do Japão arrasado pelo terremoto, pelo tsunami e agora sob o temor do risco nuclear são um “pesadelo”. Aos 87 anos e morando em São Paulo desde 1956, ele sobreviveu, em 6 de agosto de 1945, à bomba nuclear jogada sobre a cidade japonesa de Hiroshima durante a Segunda Guerra Mundial. A bomba explodiu a cerca de 1,3 km de onde Morita estava. Na época, ele era soldado da polícia japonesa e tinha 21 anos.
Tragédia no Japão faz sobrevivente de Hiroshima, hoje aos 87 anos, relembrar o que viveu durante a queda da bomba atômica (Foto: Tahiane Stochero/G1)
“Lembro-me como se fosse hoje. Eu estava caminhando nas ruas da cidade quando a bomba caiu. Primeiro foi um clarão, depois uma escuridão. Então começou uma chuva preta, e as pessoas que estavam queimadas abriam a boca para tomar aquela água contaminada. Eu via pessoas queimadas, dilaceradas”, relembra Morita, que fala pouco português e concedeu a entrevista ao G1 com ajuda da filha, Iasuko Saito.
Morita teve duas vezes diagnosticada leucemia enquanto ainda morava no Japão, onde fez tratamentos, segundo a filha. Desde que se mudou para o Brasil, apesar de problemas de coração e diabetes, nunca mais teve leucemia. Ele veio para São Paulo justamente para melhorar a saúde. "Me falaram que São Paulo era uma cidade alta, com um bom ar", diz.
Para o japonês, o cenário de destruição das cidades do Japão após a passagem do tsunami lembra a situação da cidade de Hiroshima após a bomba.
A cidade de Hiroshima, antes e depois da bomba nuclear (Foto: AFP)
“Isso que está acontecendo no meu país me faz sofrer muito, é muito triste. Nós, os sobreviventes das bombas nucleares, lutamos pela paz e contra a energia nuclear. A radiação é a pior arma que existe. Não tem cheiro, não podemos vê-la, não tem barulho, não deixa rastro. As pessoas vão sentir seus efeitos ao longo do tempo”, diz o comerciante.
Hoje, ele é presidente da Associação das Vítimas da Bomba Atômica no Brasil, que integra 120 sobreviventes da tragédia e seus descendentes.
Quando a bomba atômica atingiu Hiroshima, o soldado vestia uniforme militar e acredita que por isso foi protegido. Como usava boné, também não teve problemas no rosto, mas sofreu uma queimadura grave na nuca, o que o impediu de continuar ajudando no resgate das vítimas por muito tempo.saiba mais
“Depois da bomba, todos os sobreviventes deixaram Hiroshima, porque a radiação se alastrava. Mas eu fiquei durante dois dias, só carregando corpos, ajudando pessoas. Nestes dois dias, não comi nem bebi nada na cidade. Tudo podia estar contaminado e me contaminar por dentro. Se a radiação entra dentro de nós, daí não tem salvação”, afirma.
“Eu também estava em missão, trabalhando, não sentia fome. Depois, no terceiro dia, meu comandante me mandou ir para um hospital fora da cidade cuidar da queimadura, que estava ficando ruim”.
Parentes no Japão
Morita tem um neto, filho de Iasuko, que mora em Tóquio. Segundo ela, o jovem trabalha e constituiu família no Japão e não pretende retornar ao Brasil. “Temos parentes na capital e amigos na região próxima à usina nuclear de Fukushima (que apresentou acidentes e explosões), alguns que não conseguimos contato. Eles tiraram todas as pessoas das cidades próximas”, afirma Iasuko.
“Se eu pudesse fazer um pedido ao governo japonês, pediria para não construir mais usinas nucleares, não usar mais urânio. A minha missão neste planeta é conscientizar as pessoas, principalmente os jovens, sobre os efeitos da radiação. Ela tem poderes que não se pode conter, nunca mais nem ninguém. Tem gente morrendo até hoje, sofrendo até hoje, pelos efeitos da radiação das bombas atômicas”, diz o comerciante Morita.
Às pessoas que se encontram na região de risco, ele aconselha a “não comer, beber, nem colocar nada para dentro do corpo que esteja naquela região”. “A radiação contamina tudo, a água, os alimentos. Não dá para usar nada dali”. Ele também lembra os primeiros efeitos da radiação das vítimas que ajudou: bolhas de sangue formando-se pelo corpo e sangue saindo da gengiva.
Reconstrução
O sobrevivente de Hiroshima veio para o Brasil em 1956, com a mulher e dois filhos. Desembarcou no Porto de Santos, após 42 dias de viagem, com destino a São Paulo.
Questionado sobre se acha que o país que lhe acolheu ajudará o Japão a se reconstruir, Morita não pensa duas vezes. “O brasileiro é um povo de coração muito quente e ajuda a todos. Tenho certeza de que irá ajudar o Japão”, diz.
Ele também acredita que o povo japonês, como ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, irá se unir para reverter os estragos da tragédia. “O japonês sofre, mas não chora. Sofre por dentro, mas se une para trabalhar”, acredita ele.
Morita receberá uma homenagem do estado de São Paulo pela sua luta contra a radiação. A Escola Técnica Estadual (Etec) de Santo Amaro, na Zona Sul da capital, pretende mudar o seu nome para se chamar Etec Takashi Morita. Segundo o diretor da unidade, Fernando Antônio de Campos, um projeto de lei que autoriza a alteração no nome da Etec tramita desde fevereiro na Assembleia Legislativa do estado.
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